A ciência e a leitura
O professor António Fortuna presenteou algumas turmas do agrupamento, com 90 minutos de conversa afável e emotiva, sobre a ciência, a que tive o privilégio de assistir. Foi no auditório Via Láctea, para alunos na faixa etária de 14/15 anos. Estes, estiveram atentos e agradados com que ouviam.
Podia ter-lhe chamado conferência, seminário, mas optei por “aula”, pois foram momentos que se caracterizaram pela interacção, boa disposição, discurso dinâmico, descontraído do professor que tem como objectivo único, a aprendizagem dos alunos, “seus amigos”, como gosta de os tratar..
O digníssimo professor Fortuna iniciou a sua intervenção com Galileu e finalizou com a exploração infantil em países como o Paquistão e a Índia nos dias de hoje, seguindo uma barra cronológica recheada de referências à ciência e à leitura, saltitando de uma para a outra, enriquecendo obviamente todos os presentes.
Com Galileu, fizeram-se experiências sobre a gravidade, explicou-se porque a Torre de Piza ainda continua em pé e manipulou-se uma pequena maqueta estrutural, proporcionando a visualização da relação da inclinação da torre de piza e centro de gravidade.
Massa
Força da gravidade
Atracção ao centro da terra
Este momento serviu de primeira ligação à leitura, tendo sido apresentado António Gedeão e o seu genial “Poema para Galileu”.
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.(…)
Projectaram-se retratos de Galileu e obviamente relacionou-se a Santa Inquisição, recordando-se o tempo quando ninguém podia pensar diferente das ideias instituídas pela religião vigente.
- Afinal quem gira à volta de quem???
Evocou-se Miguel Torga, nosso escritor transmontano e o seu desabafo “Diabo do papa” quando se pôs a olhar uma chocolateira. Mais uma referência à física, com Denis Papin, inventor do século XVII e a sua marmita.
“Física para o povo” de Rómulo de Carvalho que afinal também era o António Gedeão, já declamado atrás, deu entrada a Sir James Watt e à sua máquina a vapor. Explicado o mecanismo da infernal e revolucionária máquina, e relacionada a pressão, com ebulição, e energia/movimento, entrou-se na Revolução industrial tendo como referencia uma bela máquina a vapor estacionada num dos jardins da nossa cidade.
Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pesso, e José Saramago foram referidos unidos pela personagem de Ricardo Reis e de seguida António Fortuna declamou a “Ode triunfal” do primeiro.
(…)
Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamento, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(…)
Palmas e palmas de cada vez que o professor declama, pois também declama bem e com expressão e entusiasmo contagiante.
Mais uma vez o diário de Torga serve para evidenciar a sensibilidade social deste escritor, perante o trabalho escravo das minas de carvão no país de Gales, e outros países, uma realidade que chegava ao seu consultório médico através dos mineiros com as suas vidas “minadas” pela doença terrível que lhes encurtava a vida .
Um diapositivo com um corte de uma mina de carvão, onde os mineiros muito jovens trabalhavam quase deitados, fez a ponte com a exploração de mão- de- obra infantil no fabrico de tijolos no Paquistão e India, onde crianças de 2 ou 3 anos operacionalizam a secagem do seu fabrico artesanal. Esta referência, como realidade contemporânea e próxima gerou silêncio e reflexão por parte dos presentes.
Finalmente António Fortuna leu um texto da sua autoria que aborda o comboio dos anos 60/70 do sec. XX, e o vagão Jota.
Em conclusão e já evidenciando cansaço com esta longa viagem através da física e da literatura, Fortuna ainda declamou o poema “Pedra Filosofal”, tendo feito o seu enquadramento histórico na ditadura de Salazar .
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso, (…)
Esta aula ficará na memória dos nossos alunos. Afinal a Ciência também tem uma história e a literatura é uma arte que pode expressar o sofrimento, a alegria, a descoberta, a emoção de procurar e descobrir a verdade para atingir o conhecimento.
Bem-haja professor!
Anabela Quelhas (prof)